quinta-feira, 7 de abril de 2011

O jornalista e a estrutura de poder

O Jornal Nacional

Entre as palavras mais repetidas no Jornal Nacional estão: jornal, nacional, região, área, pesquisa e correspondente. Isso demonstra dois perfis do veiculo; autoreferência e estrutura dominante de poder.

Os dois perfis se justificam, pois se complementam. A autoreferência ocorre pela necessidade de se manter existindo, veiculando e sendo escolhido entre outros veículos, a luta capitalista pela sobrevivência, o existir e enriquecer ocorre com os mais fortes, mais atualizados, mais inteligentes e com a melhor estrutura publicitária.

A condizência com a estrutura dominante do poder corresponde ao editorial, já que uma delimitação é necessária, inclusive para que o leitor possa decidir qual jornalismo consumir (hoje o jornalismo precisa decidir para que time joga). Esta concordância com a estrutura de poder é também uma estratégia de manter-se como o veículo de maior aceitação e credibilidade. Tendo o jornal tanto poder e tanta repercussão, como poderia discordar de algum presidente ou governo e ele ainda continuar em vigor? A partir do momento em que se apresentasse esquerdista, o Jornal Nacional se mostraria mais fraco, tanto para o povo, quanto para o próprio governo, pois se demonstraria incapacidade de impor suas próprias regras e ideologias. Perderia o estatuto de quarto poder regular socialmente, partiria para a militância.

Assim, quando este veículo discorda de algum governo, é uma questão de sobrevivência que sua ação tenha o máximo de relevância e seja capaz de fazer valer sua vontade.

Os jornais expõe com certa regularidade “pedaços” de sua realidade interna, seja por um processo de auto-referenciação, seja nas campanhas de marketing veiculadas nos próprios veículos de comunicação. Isso sem contar o cinema, que sempre soube retratar, com ou sem retoques, a realidade dos órgãos de imprensa [DUARTE, Jorge (org.). Assessoria de Imprensa e relacionamento com a mídia. São Paulo: Atlas, 2003, p. 105].

O trabalho jornalístico está cada vez mais braçal e menos intelectual, pois a notícia exige imediatismo e para que haja a produção de “produtos” em série, sendo estes produtos a matéria propriamente dita, faz-se necessário que se siga apenas a um padrão, a um esquema. Podemos nos remeter ao fordismo que revolucionou os meios de produção com o conceito de “time is money”, suas fábricas produziam produtos, no caso, carros, tendo peças e mecânicas semelhantes, as máquinas e seus trabalhadores possuíam funções específicas e repetitivas que permitiam que funcionasse com maior excelência e velocidade, assim potencializaram o seu modo de produção.

Tendo a imprensa como espelho da sociedade, podemos ver que seu modo de produção condiz com a necessidade capitalista moderna de vender e ser mais atraente e mais rápida. Os jornalistas aprendem métodos e linhas de pensamento para construir uma noticia factual, concreta, acessível e bem embasada.

Por exemplo, no título é sempre obrigatório um verbo de ação na voz ativa, pois é a chamada que atrai o leitor de jornal. O lead, que se faz no primeiro parágrafo, deve por excelência responder às perguntas: quem, quando, como, onde e por que. Isto acontece por conta da praticidade, a maioria dos leitores de jornal não ultrapassa o primeiro parágrafo e quanto mais atraente e sensacional for este primeiro parágrafo, e este título, maiores serão suas chances de ter a matéria lida até o final e/ou publicada na capa.

O trabalho jornalístico cada vez mais se torna publicitário, com a enorme quantidade de informação. O jornalismo, por causa disso, enfrenta o paradoxo de precisar vender produtos e serviços, mas também ser ético, corresponder a determinada ideologia e não ferir o editorial.

Uma redação não é o único lugar onde se decide o destino de determinada noticia. Entre a ocorrência de um fato e sua divulgação pela imprensa existem inúmeros canais intermediários (sociedade, Estado, igrejas, empresas, sindicatos etc.), ou outros interesses externos subjetivos (ideológicos, éticos, técnicos etc.), que influenciam na decisão final de se dar ou não uma notícia [DUARTE, Jorge (org.). Assessoria de Imprensa e relacionamento com a mídia. São Paulo: Atlas, 2003, p. 106].

Também podemos argumentar o vocabulário pela linha ideológica de democratização da informação. Por mais que o papel de educar da mídia apareça e desapareça conforme as discussões, os governos, a sociedade e a necessidade de corresponder às expectativas de seus leitores e/ou espectadores, o primeiro objetivo do jornalismo sempre foi o de operar uma ponte entre os poderes e as massas.

Temos assim, historicamente, jornalistas intelectuais, que têm por interesse provocar rupturas e epifanias em seus leitores, e jornalistas mecânicos, cujo objetivo é chegar primeiro e produzir a notícia mais interessante, completa, nova e crível, sendo que ambos profissionais podem representar facetas diferentes de uma mesma pessoa. A tendência é produzir matérias condizentes com o editorial na esperança de ganhar créditos para escrever em que realmente se acredita, em ser tomado como autoridade e conseguir “mudar o mundo”, levar a informação à população, sem perceber que, ao transmitir sua ideologia em um veículo tão grande e tão imediatista, pode-se provocar imensas falhas sociais, tornando, assim, líquido o conceito de moral, ética, sucesso, instituição etc.

O grande poder do jornalismo, colocado na balança junto a sua função perante a sociedade, sempre foi uma dificuldade na formulação do que chamamos de ética jornalística. Por muito tempo pensou-se que a matéria perfeita seria aquela completamente imparcial e buscou-se modos de fazer com que o texto exibisse apenas os fatos, sem opinião. Foi quando teve início a tendência da impessoalidade, concretismo, o uso de autoridades sobre o assunto (advogados, médicos, professores universitários), a pesquisa de opinião e a obrigatória exibição dos dois lados da notícia. Porém ao longo do tempo, este conceito caiu por terra ao notar que a simples escolha de palavras (bandido, marginal, o homem, o indivíduo, o estudante) poderia denotar um favoritismo ideológico que se apresentava inevitavelmente no texto. Desta forma, a maneira que o jornalismo encontrou de prosseguir com seu papel democratizante, ser acessível, ser concreto, ser crível e ser factual foi reduzir seu vocabulário ao máximo (usa-se com freqüência lugares comuns, principalmente no lead e na seleção dos entrevistados) e utilizar verbos que permitem poucas possibilidades de dupla interpretação, sintoma claramente apresentado nas palavras contadas no JN.

O perfil condizente do JN com a estrutura dominante, os governos e o presidente, além de sua classificação como maior autoridade quando se trata do país que governa, corresponde a um editorial, o qual por sua vez corresponde a uma estrutura ideológica. O mesmo ocorre com os veículos de “esquerda” ou que ridicularizam a estrutura de poder, estes também possuem a intenção de informar ao maior número de pessoas possível os fatos que confirmem seu editorial, ou seja, os fatos que confirmem sua estrutura ideológica. Este perfil aparece desde a escolha de quais matérias são relevantes ou não para publicação, até o enquadramento dado pelo fotógrafo a determinada imagem.

Eagleton traz uma definição de estruturas de valores que apreende as especificidades do texto individual:

A estrutura de valores, em grande parte oculta que informa e enfatiza nossas afirmações factuais, é parte do que entendemos por “ideologia”. Por ideologia quero dizer, aproximadamente, a maneira pela qual aquilo que dizemos e no que acreditamos se relaciona com a estrutura de poder e com as relações de poder da sociedade em que vivemos. Segue-se, desta grosseira definição, que nem todos os juízos e categorias subjacentes podem ser proveitosamente considerados ideológicos. (EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: Uma Introdução. Basil Blackwell Publisher Limited Oxford, England, 1983. p. 16)

Podemos afirmar, em consonância com Eagleton, que a ideologia não é apenas a crença que tem raízes profundas, mas sim é o “modo de sentir, avaliar, perceber e acreditar” (p. 16), coisas que vieram da sociedade, da educação individual, da cultura e se relacionam de alguma forma com a manutenção e reprodução do poder social.

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